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Divórcio Unilateral Extrajudicial
Por Maicon César Dallabona, Tabelião de Notas e Registrador Civil das Pessoas Naturais. Janeiro de 2025.
Finda a regulamentação da reforma tributária, com a edição da Lei Complementar 214/25, é de se esperar que, em breve, o Congresso Nacional retome as atenções legislativas para a aprovação da revisão do Código Civil Brasileiro, que passou os dois últimos anos sendo discutida e maturada em diversos fóruns.
Uma comissão de juristas criada pelo presidente do Senado concluiu a revisão do texto em vigor, em um trabalho que contou com a coordenação do ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
As mudanças propostas incorporam a jurisprudência dos tribunais superiores ao diploma legal, trazendo para a lei diversas decisões recorrentes tomadas pelas cortes brasileiras.
Dentre as inovações que afetam o Registro Civil brasileiro, a comissão de juristas propôs a criação do instituto do divórcio unilateral extrajudicial.
Divórcio unilateral é uma modalidade de divórcio que pode ser promovida por um dos cônjuges sem a concordância do outro. É também conhecido como divórcio impositivo ou liminar.
Na esfera judicial essa figura, que já vinha sendo reconhecida pela jurisprudência dos tribunais estaduais há alguns anos, foi chancelada recentemente pela Corte Superior de Justiça, que afirmou:
Destarte, pode-se afirmar que, atualmente, o divórcio constitui um direito potestativo ouformativo, compreendido como o direito a uma modificação jurídica, cujo exercício ocorrede maneira unilateral pela mera manifestação de vontade de um dos cônjuges e gera umestado de sujeição do outro cônjuge (STJ - Recurso Especial nº 2022649 - MA, Rel. Min.Antonio Carlos Ferreira, j. em 16/5/2024; grifei).
A novidade, com a revisão do Código, além da incorporação do instituto à lei, será a possibilidade de o cônjuge ou companheiro insatisfeito promover o divórcio unilateral diretamente na esfera extrajudicial, sem necessidade de recorrer ao Poder Judiciário.
De fato, o projeto de revisão adiciona ao código o artigo 1.511-D, que cria o referido direito da seguinte forma: “Ninguém pode ser obrigado a permanecer casado porque o direito ao divórcio é incondicionado, constituindo direito potestativo da pessoa”.
Mais à frente, no artigo 1.582-A, o projeto regula a forma com que o divórcio unilateral poderá ser promovido na esfera extrajudicial, nos seguintes termos:
Art. 1.582-A. O cônjuge ou o convivente, poderão requerer unilateralmente o divórcio ou a dissolução da união estável no Cartório do Registro Civil em que está lançado o assento do casamento ou onde foi registrada a união, nos termos do § 1º do art. 9º deste Código.
§ 1º O pedido de divórcio ou de dissolução da união estável serão subscritos pelo interessado e por advogado ou por defensor público.
§ 2º Serão notificados prévia e pessoalmente o outro cônjuge ou convivente para conhecimento do pedido, dispensada a notificação se estiverem presentes perante o oficial ou tiverem manifestado ciência por qualquer meio.
§ 3º Na hipótese de não serem encontrados o cônjuge ou convivente para serem notificados, proceder-se-á com a sua notificação editalícia, após exauridas as buscas de endereço nas bases de dados disponibilizadas ao sistema judiciário.
§ 4º Após efetivada a notificação pessoal ou por edital, o oficial do Registro Civil procederá, em cinco dias, à averbação do divórcio ou à da dissolução da união estável.
§ 5º Em havendo, no pedido de divórcio ou de dissolução de união estável, cláusula relativa à alteração do nome do cônjuge ou do requerente para retomada do uso do seu nome de solteiro, o oficial de Registro que averbar o ato, também anotará a alteração no respectivo assento de nascimento, se de sua unidade e, se de outra, comunicará ao oficial competente para a necessária anotação.
§ 6º Com exceção do disposto no § 5º, nenhuma outra pretensão poderá ser cumulada ao pedido unilateral de divórcio ou de dissolução de união estável, especialmente, pretensão de alimentos, arrolamento de bens, guarda de filhos, partilha de bens, exclusão do excônjuge ou convivente de plano de saúde, alteração do domicílio da família, ou qualquer outra medida protetiva ou acautelatória.
Da redação proposta – que não deve sofrer grandes alterações, haja vista tratar-se de tema com pouca ou nenhuma rejeição nos fóruns que vêm discutindo a reforma –, extrai-se a seguinte sistemática:
O cônjuge ou convivente insatisfeito que desejar pôr fim ao casamento ou união estável poderá se dirigir diretamente ao Ofício do Registro Civil em que seu casamento ou união foi registrado(a), acompanhado de advogado ou defensor público (§ 1º), e solicitar o divórcio ou a dissolução da união de forma unilateral.
Aqui é necessário mencionar que a necessidade de o pedido ser referendado por advogado ou defensor público, sobretudo no nosso Estado de Santa Catarina, onde a estrutura da Defensoria Pública ainda é irrisória frente à demanda, deverá trazer mais prejuízos do que benefícios. O Registrador Civil já é um profissional do direito imparcial e capaz de aconselhar a parte, razão pela qual exigir a presença de mais um profissional, em ato que não envolverá outros aspectos derivados do fim da relação, como se verá adiante, não fará mais do que atrasar e encarecer o procedimento desnecessariamente.
Seguindo, vê-se que, antes de proceder à averbação, o Oficial, a pedido do mesmo solicitante, deverá notificar pessoalmente o outro cônjuge ou convivente para conhecimento (§ 2º).
Nesse ponto, mostra-se oportuno salientar que, caso a serventia em que tenha sido registrado o casamento não possua atribuição de Registro de Títulos e Documentos, impedindo que o mesmo Oficial que realizará a averbação proceda à notificação prévia, ou mesmo se o casamento ou união estável tiver sido registrado(a) em uma serventia e o cônjuge a ser notificado residir na área de competência de outra, o cônjuge insatisfeito deverá realizar a notificação prévia no Registro de Títulos e Documentos competente para, só após perfectibilizada esta, dirigir-se ao Ofício do Registro Civil em que está lançado o assento de seu casamento ou o registro de sua união, para lá, enfim, solicitar o divórcio ou a dissolução de forma unilateral. Pelo menos este parece ser o caminho regulatório inevitável a ser tomado pelas Corregedorias estaduais, diante da sistemática proposta pela nova lei.
Vencidas, então, as etapas acima, o Registrador competente terá o prazo de 5 (cinco) dias para efetuar a averbação (§4º).
É importante frisar, ainda, que além da alteração do nome do cônjuge ou do companheiro para retomada do uso do seu nome de solteiro, nenhuma outra pretensão poderá ser promovida unilateralmente na esfera extrajudicial (§ 6º). Todos as outras complicações que podem advir do término de uma relação, como a discussão sobre alimentos, guarda de filhos, partilha de bens etc., continuarão a necessitar que ambos os envolvidos estejam de comum acordo – o que permitirá a resolução extrajudicial do conflito –, ou então que a solução seja perseguida na esfera judicial.
A conclusão é de que o instituto, cujo procedimento ainda pode ser melhorado, vem em boa hora. Em um país em que a violência doméstica ainda é uma realidade pujante, tornar rápida a dissolução da relação cuja continuidade não é mais desejada por um dos consortes, impedindo que o sofrimento moral e psicológico que a manutenção de um casamento ou união estável que já faliram sejam desnecessariamente prolongados por mera recusa do outro parceiro a colaborar com a dissolução, sem dúvidas será um acerto do legislador.
E ninguém poderá proporcionar à população maior qualidade, rapidez e eficácia na concretização desse direito – agora reconhecidamente potestativo – do que o Registro Civil brasileiro.